Wednesday, March 03, 2010

“Por um mundo melhor, mantenho minha Fé.” Desabafo – Marcelo D2

Ouvindo Apocalipse 16, depois de ter participado de uma palestra sobre “Crianças em situação de risco e a dependência química”, confesso que fiquei bem angustiada, por não estar sendo agente de dignidade a estas vidas em contínua extinção. Que me perdoem a nata da sociologia, psicologia ou qualquer outra logia, tenho sido afetada de uma canseira típica de muita letra e pouca ação. Tenho orado para Deus me presentear com a beleza de juntar as duas coisas, poder ver a fé sendo aperfeiçoada pelas obras. Meu coração tem ardido por um calor silencioso, que não quer mais permanecer tão calado, não adianta reprimi-lo, ou tentar trocá-lo por uma bela aparência científica ou ignorá-lo como mais um anseio de jovem que daqui a pouco vai passar. Não. Não posso mais (e, por favor, que você que lê isto também não possa) crer que sonhar não é mais permitido nesta sociedade fria, matemática e existencialista. O homem da atualidade padece de um conflito inconsciente “não resolveu seus problemas transcendentais, apenas os reprimiu.”, como disse Stocker. Trata com indiferença a poesia, os símbolos, a arte (sem ser esta elitizada que vemos hoje), o espiritual, o ambiental. O homem reprimiu o verdadeiro princípio da sua harmonia interior: o espírito. E chega aos consultórios querendo remédios, fórmulas, métodos,e teorias. Voltando a palestra que vi hoje, a palestrante falava de 15 anos trabalhando em São Paulo com crianças de rua, com um projeto chamado Refugiados Urbanos, aquilo caiu como uma granada em mim. Meninos e meninas refugiados de sua própria pátria pessoal, fugitivos de seus ninhos, procurando e encontrando “anestesia” em pó, em pedra, em bebida, para aplacar as faltas que a vida tem lhe proporcionado. Eu só posso e quero falar por mim, e hoje falo e oro pedindo a Deus a oportunidade de sair do banco da vida e começar a fazer algo para mudar a cena de outras pessoas que necessitam, não de mim, do meu conhecimento e muito menos piedade, mas do direito de pintar um novo quadro para as suas próprias vidas. Se você, assim como eu não consegue ouvir, ver, ou ler, tantos muros cinza, esperando por um pouco de cor e grafit, sem ficar no mínimo impactado e mobilizado, desabafe, coloque para fora, grite ao Pai por algo, compartilhe com amigos,chore, seja mais humano, dê algo que você tenha, dê seu tempo, seu abraço, sua escuta, estude menos e faça mais, colabore, cuide de você mesmo, plante uma árvore, recite uma poesia. Faça menos contas e mais desenhos, se arrisque no transcendental, na metafísica, nos ventos espirituais. Liberte-se e liberte o outro. Leia mais histórias, aventuras, literatura. Aventure em outros mundos, dê outros mundos para quem aprendeu a olhar somente por uma lente. E daí, se isto é conversa de jovem, de sonhadores, idealizadores ou sentimentais. No fundo, no fundo todos são assim, mas alguns (neuróticos) preferem se dividir como corpo e conta bancária, quando na verdade somos corpo, alma, e espírito, e isso ninguém nunca vai poder mudar.

“Nesses momentos que éramos provocados ou desanimados, sempre nos mantemos serenos; sobretudo, nunca recuamos ou sequer pensamos em recuar. Sempre tivemos a noção exata do tamanho da nossa missão. Como objetivo de poder mostrar para outros que lutam por alguma coisa que vale a pena lutar, ainda que a vitória não seja certa, ainda que a desconfiança prevaleça.”

MVBill- rapper, escritor, compositor, documentarista e roteirista. Transita pela política e movimento negro e social, nasceu e reside na comunidade Cidade de Deus. Esta citação foi feita do seu livro: “Falcão. Mulheres e o tráfico. 2007”


by Priscila Souza